UNITA NÃO SABE O QUE DIZ NEM DIZ O QUE SABE

O grupo parlamentar do MPLA, no poder em Angola há 47 anos, justificou hoje a rejeição de um voto de protesto da UNITA (oposição) relacionado com alegadas demolições e perseguições a jornalistas por considerar estarem em causa medidas legítimas do Estado. Acresce que sobre o caso Camunda News, a UNITA voltou a mostrar que não sabe o que diz nem diz o que sabe, estatelando-se ao comprido.

Por Orlando Castro (*)

O grupo parlamentar da UNITA apresentou hoje um pedido para apresentar um voto de protesto contra demolições, perseguição a activistas e jornalistas, antes da ordem do dia da sessão plenária onde foi aprovado o envio de um contingente militar para as operações de apoio e manutenção da paz no Leste da República Democrática do Congo.

A proposta foi rejeitada com 93 votos contra do MPLA, grupo parlamentar maioritário, 70 a favor da UNITA, representação parlamentar do Partido de Renovação Social (PRS) e Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA) e duas abstenções do Partido Humanista e Angola (PHA).

Ao reagir ao pedido do grupo parlamentar da UNITA, o deputado do MPLA Virgílio Tyova disse que a solicitação foi rejeitada porque as demolições “têm pressupostos”.

Em causa, para a UNITA estava a “situação de sofrimento provocado a mais de 300 famílias pela demolição de suas residências no distrito urbano do Zango 3-B, no passado dia 27 de Fevereiro de 2023”, em Luanda.

Segundo o deputado do grupo parlamentar maioritário, as demolições a que se referem os seus colegas da oposição resultaram sobretudo de construções ilegais, em zonas de risco, de pouca salubridade.

“Por essa razão é que quando há uma demolição há sempre um pressuposto, uma construção. E essas construções foram feitas violando a lei, porque há uma lei para o licenciamento de obras, há uma lei para a construção de obras, há uma lei que estabelece os procedimentos para que cada cidadão possa erguer a sua casa e isso, no caso, não foi observado”, disse.

Virgílio Tyova salientou que, presumindo-se que “o Estado, sendo uma pessoa de bem, tenha promovido essas demolições, tenha-o feito na base da legitimidade que a lei lhe confere em demolir todas as residências ou empreendimentos que estiverem em zonas não autorizadas, em reservas fundiárias, em zonas de reserva de protecção absoluta, em zonas que estejam sob protecção dos planos directores e também em zonas de perigosidade”.

“Todos nós lembramo-nos que sempre que chove temos pessoas que falecem em virtude de terem construído em zonas impróprias, em zonas inadequadas, e é esse o trabalho que tem sido feito pelas autoridades administrativas locais para que salvaguardemos a vida do cidadão”, disse.

O deputado salientou que é do conhecimento do Estado que, em consequência das demolições, “há pessoas ao relento”, pelo que “estão a trabalhar no sentido de se melhorar o realojamento destas pessoas afectadas com a questão das demolições”.

Virgílio Tyova defendeu ainda que a autoconstrução dirigida “não pode ser realizada em terrenos não autorizados”, bem como sem licenças de construção.

“Quem tiver uma licença de construção nunca vai ver a sua casa demolida em circunstâncias nenhuma”, observou, afirmando não ter recebido reclamações até ao momento.

“Eu sou o presidente da 10.ª comissão dos Direitos Humanos, Petições e Reclamações dos Cidadãos e até agora não recebi nenhuma reclamação, nenhuma queixa, da parte dos cidadãos afectados por essas demolições. Quando o processo chegar cá vamos dar seguimento como tem sido acontecido com outros casos semelhantes”, referiu.

Segundo o deputado, o governo provincial de Luanda está a dar tratamento à situação que resultou das demolições que foram realizadas, reforçando que foram “legítimas” e resultaram “da violação da lei”.

Relativamente às acusações de perseguição a jornalistas, a quem se diz jornalista sem o ser, e a activistas angolanos, Virgílio Tyova desresponsabilizou o Governo e invocou as leis.

O grupo parlamentar da UNITA, misturando no mesmo saco jornalistas, similares, produtores de conteúdos, mercenários etc. considera que o sector da comunicação social “tem sido marcado por um crescente cercear das liberdades por parte das autoridades do poder do Estado, numa clara violação da Constituição e da Lei”.

“O último caso envolve a TV Camunda News, canal digital hospedado na plataforma Youtube e demais redes sociais, que está a portas de deixar de produzir e emitir conteúdos de natureza informativa e política por um tempo indeterminado, na sequência de um novo interrogatório a que foi submetido o Sr. David Boio, proprietário do projecto”, salienta o documento da UNITA.

De facto, a UNITA resolveu confundir a Maria José com o José Maria, esquecendo-se “que produzir e emitir conteúdos de natureza informativa e política” não é sinónimo de informação e, muito menos, de jornalismo. Além disso, a liberdade de imprensa (que essa sim está em perigo) está nos antípodas do que é publicado pela Camunda News.

“Não vemos nenhum silenciamento dessas plataformas, ouvi falar da Camunda News, mas essa é uma atitude própria dessa estação, desta plataforma, que decidiu deixar de divulgar notícias, de modo próprio, portanto, isto é uma responsabilidade própria dessa plataforma, de modo que não podemos nós nos substituir-nos na vontade da própria estação”, realçou Virgílio Tyova.

Para o deputado do MPLA, “isso não pressupõe perseguição”.

“Se as autoridades estiverem a exigir que estas plataformas, nos termos da lei que foi aprovada o ano passado, devam conformar-se aos marcos e parâmetros que estabelecem a lei, qualquer plataforma, não só a Camunda News, tem de observar o que a lei estabelece. Isso se não ocorrer, é claro que as autoridades do Estado vão ter que tomar medidas correctivas para que se observe a lei. É só isso”, acrescentou Virgílio Tyova. E tem razão. Um Estado de Direito não é só para o que nos convém, é para tudo e para todos.

O deputado do MPLA aconselhou a Camunda News, se “se sente lesada”, a “reclamar dos órgãos do Estado competentes para defender os seus direitos que julgue estarem violados”.

“Mas o Estado tem legitimidade para tomar as medidas adequadas, de modo a que a lei seja sempre cumprida por todas as plataformas e todos os órgãos de comunicação social”, observou.

Confrontado com o facto de a Lei de Imprensa angolana não regular o exercício das plataformas digitais, Virgílio Tyova alegou que referida lei prevê a regulamentação dessas plataformas, o que ainda não ocorreu, “mas há de ocorrer com toda a certeza”. Acresce, diga-se em abono da verdade, da legalidade e das regras de um Estado de Direito, que o “produto” que a Camunda News (e muitos outros) faz não é enquadrável na Lei de Imprensa porque, pura e simplesmente, não é um órgão de Imprensa. Tal como uma farmácia que publique bulas (folheto que normalmente acompanha um medicamento, de conteúdo informativo sobre composição, posologia, efeitos secundários) não pode alegar que exerce a sua actividade no âmbito de Lei de Imprensa.

“O pacote da comunicação social foi aprovado o ano passado, na legislatura passada, ainda é recente e com certeza que o ministério deve estar a trabalhar nisso no sentido que se possa regulamentar”, referiu o deputado, considerando que “isso não inibe que as autoridades administrativas e governamentais possam tomar medidas sempre a lei seja violada”.

“A regulamentação vai estabelecer os procedimentos que devem ser realizados pelas plataformas, mas não vai permitir que se viole a lei. Até porque o regulamento tem sempre estar em conformidade com os termos estabelecidos na lei”, reforçou.

Grave é, igualmente, o próprio Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) considerar – também caindo na tentação de confundir a beira da estrada com a estrada da Beira – um atentado à liberdade de imprensa a pressão sobre o proprietário da Camunda News para suspender a emissão de conteúdos jornalísticos por pretensa violação da Lei de Imprensa. É estranho, mas é verdade. Nem o SJA sabe a diferença entre a legalidade e a pirataria, entre a produção de conteúdos e o jornalismo.

Em nota de imprensa, o SJA considera um “abuso de poder e obstrução ao exercício da liberdade de imprensa a pressão sobre o proprietário da Camunda News para cessar a emissão de conteúdos informativos, e apela à Entidade Reguladora da Comunicação Social para que se manifeste em prol da liberdade de imprensa”.

Recorde-se que, segundo o Sindicato dos Jornalistas de Portugal, “liberdade de expressão exige um nível de responsabilidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilite a cada cidadão distinguir o tipo de informação que consome. Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista”.

(*) Com Lusa

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